domingo, 30 de maio de 2010

As Invasões Bárbaras

O 1º de Maio da CUT e a independência de classe
1
Contribuição ao debate: Esquerda Marxista
1
Araucária, 1º de maio, festa do dia do Trabalhador da CUT-Paraná. Em frente a um palco montado na praça da Bíblia, populares começavam a se aglomerar ao som pop-gaúcho do neto do Teixerinha. Duas belas dançarinas, em trajes mínimos, invadem a cena e sacrificam seus corpos em uma coregrafia sexy, comercial e esteriotipada. “Quem gostou pode aplaudir!” disse o cantor, para deixar à vontade do freguês o motivo da ovação: se pelas meninas ou pela música. Mas palmas que vieram não foram suficientes para esconder a consternação de parte da audiência. Minutos depois subia ao palco, em roupas punk-pretas-rasgadas, uma frágil mas corajosa militante do movimento passe-livre, que deixou de lado seu discurso para pregar o verbo: “Estou envergonhada pelo que acabamos de ver nesse palco. Nós, que lutamos tanto contra essa sociedade sexista, machista, que explora a imagem das mulheres!”. Arrancou do público feminista os aplausos que faltavam e, ironicamente, descobrimos que a consciência de classe também escreve certo por linhas tortas...
1
Essa não foi a única dualidade presente no 1º de Maio da CUT. Como já revelou o educador Paulo Freire, os trabalhadores se encontram desde sempre entre Deus e o Diabo na terra do Capital: “O seu conhecimento, de si mesmos, como oprimidos, se encontra, contudo, prejudicado pela 'imersão' em que se acham na realidade opressora (…). São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetados neles, como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou não o opressor de 'dentro' de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados. Entre serem espectadores ou atores. (…) Entre dizerem a palavra ou não terem voz...”. Como veremos, militantes e sindicalistas não estão à salvo desse dilema.
1
Todos nós louvamos a iniciativa da CUT em organizar uma festa em Curitiba e Região, principal centro industrial e de serviços do Estado. Nos últimos anos, a capital estava abandonada à orgia dos shows e sorteios da governista Força Sindical, confrontada apenas pelas aguerridas peregrinações organizadas pela CMS e outras entidades do movimento social. Mas a decisão acertada da CUT não justifica nos furtarmos à um exame de consciência, se quisermos expiar os erros cometidos.
1
Alguns problemas são comuns à um evento desse tipo. Um deles diz respeito à divulgação da festa. As direções sindicais devem se empenhar mais na propaganda do evento para suas próprias bases. O fundamental é atraírmos os trabalhadores e trabalhadoras filiados aos sindicatos cutistas. Há uma diferença sensível e importante entre “juntar o povo” e “reunir a classe”. Uma festa de 1º de Maio é também uma atividade de organização e formação da classe trabalhadora. Se conseguirmos reunir a classe, o povo vem junto naturalmente. Mas o contrário não é verdadeiro. Evidentemente, os organizadores da atividade sabiam disso e as caravanas que vieram do interior foram prova dessa consciência. Mas devemos reconhecer que podemos melhorar muito nesse quesito. A ausência dos trabalhadores da Repar e a pequena ocupação das barracas temáticas pela manhã testemunharam essa falta.
1
Já o espírito solidário e generoso da classe trabalhadora se fez presente, é verdade. Na festa da CUT, militantes do PSTU desfilaram suas bandeiras sob os olhares perdidos de vinte seguranças bonachões de terno-e-gravata. Mais discretos, os companheiros do PSOL também circulavam sem serem incomodados. Isso não é pouco: militantes cutistas já foram impedidos de distribuir panfletos no 1º de Maio da CUT em São Paulo! Aqui, as barracas procuravam dar conta, democraticamente, da diversidade de orientações presentes no movimento dos trabalhadores. Havia espaço tanto para as cooperativas da Economia Solidária (veneradas desde o socialismo utópico pré-marx) quanto para o Movimento Passe-Livre, com suas lideranças e política anarquista (nesse meio, é comum a campanha pelo voto nulo, e não pelo voto Dilma). Mas é verdade que a generosidade que sobrou para os outros, faltou para quem até a pouco tempo estava do mesmo lado: a combativa direção do SindSaúde merecia um tratamento mais civilizado por parte de alguns organizadores do evento.
1
Mas essas dualidades ganham uma estranha coerência quando postas à luz de uma opção temerosa. No panfleto do 1º de Maio estavam estampados os apoios do Governo do Paraná, da Prefeitura de Araucária e da Itaipu Binacional. A CUT construiu sua história sob o signo da Independência de Classe. Ceder às tentações do reformismo e da política de conciliação de classes é abrir os portões para a barbárie capitalista. É evidente que quem paga a banda acaba por escolher a música... e a coreografia. Como o 1º de Maio pode ser um espaço de conscientização para a luta contra os patrões, se esse púlpito foi erguido sob as bases da conciliação de classe? Como explicar para os servidores públicos que eles devem se organizar para enfrentar o seu patrão se, no mesmo ato, a CUT deve agradecer a benevolência do Governo do Estado? Naquele dia, a presença das dançarinas no palco foi o símbolo de um problema de fundo. Menos agradáveis de se ver, políticos oportunistas, sem vínculos com os movimentos sociais, disputavam o microfone, tão “consagrados” quanto os verdadeiros representantes da classe trabalhadora, porque tinham no bolso as credenciais de “financiadores” do evento. Enquanto essas “autoridades” discursavam, supermercados e lojas no centro de Auraucária abriam suas portas para explorar religiosamente seus trabalhadores, em pleno feriado nacional.
1
Não só aqui, o 1º de Maio da CUT mostrou o quanto a classe trabalhadora precisa de bons lutadores sociais, comprometidos com o evangelho da independência de classe. Na Seara do Capital, a miséria e a fortuna da classe trabalhadora se encontram misturadas. É preciso quem as separe. E que no ano que vem, possamos construir uma festa da CUT, organizada e financiada pelos trabalhadores e para os trabalhadores, com participação da base dos sindicatos, comprometida com as bandeiras da Central - mas fraterna e tolerante com outras correntes e movimentos classistas e populares. Ainda que com um orçamento mais modesto.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Em defesa da CUT classista e de luta!

Contribuição da Corrente Sindical da Esquerda Marxista ao debate do 11ª Cecut


Crise mundial e solidariedade de classe

A classe trabalhadora está apreensiva. Governos e economistas a soldo do capital querem fazer crer que o pior da crise econômica já passou. Apontam o milagre,mas não mostram os sinais. A própria ONU reconheceu que a contração da economia mundial será de 2,6% este ano e que até 100 milhões de trabalhadores podem ficar desempregados em conseqüência da crise mundial. Os dados indicam que não se trata de uma simples crise financeira, mas de uma crise de superprodução de capital, bem mais profunda e sem perspectiva de retomada de crescimento a curto prazo.
O governo estadunidense tomou várias medidas para diminuir os efeitos da crise, como injeções de capital, empréstimos, estatizações parciais e a compra de “títulos podres”, e ainda assim, o desemprego nos EUA atinge hoje 9,4% da população do país. Além disso, as expectativas em relação à mudança que o governo Obama poderia representar começam a se desmanchar, pois a transferência de trilhões de dólares para resgatar as instituições financeiras deixa claro que o Estado americano presta seus serviços a uma oligarquia financeira, que tem no Estado seu salvador e cúmplice. As medidas recentes de estabelecer controles sobre as operações financeiras – sobre aquilo que Obama chamou de “cultura da irresponsabilidade” – querem ignorar as características essenciais do capitalismo. A expansão do crédito, e a especulação que a acompanha, é uma necessidade para a formação e para o desenvolvimento do mercado mundial, e não pode ser restringida. A “cultura da irresponsabilidade” é a pedra de toque do Capital: um sistema baseado na competição anárquica pelo lucro entre capitalistas individuais. Em essência, a crise econômica, a crise alimentícia e a crise ambiental são expressões das contradições geradas pelo capitalismo, das relações que permitem a apropriação por parte de uma minoria da riqueza produzida por todos.
Evidentemente, dada a complexidade da economia mundial, há oscilações nos dados e variações do impacto da crise entre países e setores econômicos. Mas o resultado geral é trágico para os trabalhadores e trabalhadoras de todo mundo: quer pela retração econômica, como nos países europeus, quer pelo crescimento insuficiente, como na China. Os fantasmas do desemprego e da deterioração das condições de vida tiram o sono da classe trabalhadora.
Na América Latina, a crise vai se instalando na queda dos preços das commodities (produtos agrícolas e minerais que constituem o grosso das exportações dos países da região), na diminuição das remessas de dinheiro enviadas por trabalhadores emigrados na Europa, EUA e Japão, e da retração dos investimentos estrangeiros. Essa situação tende a recrudescer a luta de classes e os conflitos contra os interesses imperialistas estabelecidos no subcontinente das “veias abertas”.
Se por um lado a crise econômica mundial traz conseqüências desastrosas para classe trabalhadora, por outro lado, semeia condições para uma forte contestação das relações capitalistas de produção. É nesse momento que o artigo segundo dos estatutos da CUT ganha uma atualidade inesperada: a Central deve lutar pela “transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo”.
A luta pelo socialismo deve incluir a solidariedade com nossos irmãos de classe nos países latino-americanos. Os haitianos, por exemplo, merecem essa solidariedade, que pode se expressar de várias formas. Mas não pelo auxílio a uma intervenção armada que procura garantir as bases da exploração capitalista na ilha, as mesmas que geraram a calamidade social que vitima a primeira república negra da história. Nesse sentido, a CUT deve exigir a retirada das tropas brasileiras do Haiti. Da mesma forma, as tensões no Estado Venezuelano podem se ampliar, em decorrência da queda dos preços do petróleo. O processo revolucionário porque passa aquele país tende a encontrar dificuldades redobradas, enfrentando a resistência conjunta das elites venezuelanas, dos burocratas e reformistas instalados nas estruturas do Estado e das pressões imperialistas. A CUT deve estar pronta a prestar solidariedade e dar seu apoio à Revolução Venezuelana contra agressões imperialistas, defendendo as conquistas sociais geradas para a classe trabalhadora daquele país.

A realidade nacional e a atuação da CUT

O governo brasileiro segue a cartilha estabelecida mundialmente. Seus representantes lembram a todo o instante a solidez da economia brasileira e recentemente comemoraram a queda de 0,8% do PIB no primeiro trimestre de 2009, menor do que a prevista. Isso seria um indício da recuperação da economia. Mas esse dado deve ser olhado com mais atenção. A queda do PIB foi refreada pelo aumento do consumo das famílias (1,3%) – em parte estimulada pela queda do IPI e pelo aumento do crédito nos bancos estatais -, e do próprio governo (2,7%). Mas é improvável que esta situação possa ser sustentada a longo prazo por vários fatores: há limites para o endividamento do Estado e das famílias; a crise tende a impedir o aumento da renda do trabalhador; e as medidas de isenção fiscal geram queda na arrecadação do Estado. Já a exportação brasileira, sustentada pelas commodities, puxou o PIB para baixo, com queda de 15,2%. E o que é mais significativo e preocupante: a queda de 14% do investimento do setor privado. Na é a toa que a indústria, setor fundamental na produção da mais valia explorada pelos capitalistas, teve uma queda na produção de 9,3% em relação ao mesmo período de 2008. Hoje, o desemprego atinge 8,9% da população das principais regiões metropolitanas do país. No mês de maio, só a indústria paulista fechou 3.500 postos de trabalho. As dificuldades enfrentadas pelo PAC podem ser associadas com essa situação. Só 10% das obras previstas foram realizadas, principalmente porque o setor privado, “parceiro” de negócio do governo federal, não está cumprindo “sua parte” com investimentos produtivos.
Não é o papel de um autêntico governo dos trabalhadores e para os trabalhadores vender ilusões sobre o capitalismo. O PT e CUT surgiram da ascensão e da organização da classe trabalhadora brasileira em luta contra o regime militar e o arrocho provocado pela exploração capitalista nas décadas de 70 e 80. Hoje, no entanto, o governo Lula mantêm a política de superávit fiscal e da LRF; aplica a desoneração de tributos, pondo em risco a manutenção dos serviços sociais; cede recursos para salvaguardar os negócios dos capitalistas; e edita medidas provisórias para resgatar instituições financeiras. É lógico que o governo não pode ter dois senhores ao mesmo tempo. A CUT deve lutar para o rompimento da coalizão do governo Lula com os capitalistas. Ao mesmo tempo, a CUT deve exigir medidas em defesa da classe trabalhadora como: a aprovação de uma medida provisória para impedir as demissões; a ratificação da convenção 158 da OIT, contra a demissão imotivada; a re-estatização das empresas privatizadas no último período, como a Vale do Rio Doce, Embraer e CSN, para que os recursos dessas empresas possam ser utilizados no combate aos efeitos da crise econômica; a anulação dos leilões do petróleo e a defesa da camada pré-sal, postos sobre o monopólio de uma Petrobrás 100% estatal; a realização imediata da Reforma Agrária, dando terras para quem nela vive e trabalha; e a estatização de fábricas quebradas e ocupadas pelos trabalhadores, postas sob controle operário, para garantir a manutenção da produção e dos empregos. Relacionada a essa última medida, a CUT deve dar todo o apoio à luta da Flaskô, em Sumaré-SP, fábrica ocupada que luta por sua estatização, e à campanha pelo fim da intervenção federal e pela estatização da Cipla/Interfibra, de Joinville-SC, empresa retirada do controle dos trabalhadores pelo INSS em 2007.

Eleições estaduais: para onde vai a direção do PT?

O governo peemedebista de Roberto Requião se caracterizou por colocar em prática alguns princípios reformistas, pondo freios ao capital puramente especulativo amplamente favorecido no governo que o antecedeu, estabelecendo um novo ponto de equilíbrio na repartição dos lucros do capital, mais favorável ao setor “produtivo” do estado. A disputa pelo controle do porto, das rodovias, da ferroeste, da Copel e da Sanepar foram ações no sentido de impor esses limites, sem, no entanto, ameaçar a ordem de expropriação do Capital, demonstrada na questão dos pedágios, das políticas de isenção fiscal e da defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelo contrário, o governo Requião salvaguardou essa ordem, acomodando os conflitos de classes, procurando atender e atrair para sua gestão setores da classe trabalhadora confrontados pela política lernista. Programas assistencialistas como o Leite para Crianças, a recuperação parcial do salário do funcionalismo público, medidas para atender reivindicações do MST e a elevação do salário mínimo regional foram nesse sentido.
Mas é evidente que políticas reformistas como essas só podem ser efetivadas em um período de crescimento econômico, o que beneficiou o governo Requião. A crise econômica capitalista impõe limites muito severos à continuidade desse tipo de política. É o que já estamos vendo recentemente, com a dificuldade dos servidores públicos em conseguir negociações mais favoráveis de recomposição salarial.
As próximas eleições no estado estarão definitivamente marcadas por esse cenário de crise. A Bosch demitiu, no último dia 18, 900 trabalhadores, e colocou outros 3 mil funcionários em licença remunerada. E tentou impor ao sindicato da categoria um acordo de redução de salário sem garantia de emprego. É um exemplo claro do que a classe trabalhadora deve enfrentar. E, no entanto, para assegurar apoio à candidatura outorgada de Dilma Rousseff à Presidência e garantir a coalizão com setores da burguesia, parte da direção estadual do PT costura acordos com partidos e representantes das elites locais, inimigos históricos da classe trabalhadora. A crise exige outra postura. Exige uma candidatura própria do PT, de unidade com os partidos e movimentos vinculados à classe trabalhadora, com um programa radical, socialista, de enfrentamento da crise. Programas reformistas, de aproximação do ideário burguês, tendem a afastar o PT das suas bases, que não o diferenciam mais dos partidos tradicionais. A votação pouco expressiva da candidata Gleisi Hoffmann, na eleição municipal de Curitiba, foi exemplar nesse sentido.
A CUT estadual deve reforçar sua presença nas lutas populares e na CMS; na luta pela Reforma Agrária no estado; participar e estimular campanhas como a da luta contra os pedágios, de forma independente; exigir o atendimento das reivindicações do funcionalismo público; organizar a classe trabalhadora contra qualquer ameaça de retirada de direitos ou de redução salarial, superando práticas convencionais, viciadas, burocráticas de ação sindical.

Perspectivas: a CUT e a questão sindical

A Corrente Sindical da Esquerda Marxista, considera que a CUT acertou em não sentar à mesa com empresários, governo e outras centrais sindicais para negociar redução de salários e direitos no início da crise. Mas ainda é insuficiente. De fato, só a mobilização de massa da classe trabalhadora pode defender, dos ataques promovidos pela crise econômica, os direitos e as condições de vida duramente conquistadas nos últimos tempos, pressionar pela ruptura do governo com classe capitalista e avançar em medidas em direção a construção de uma sociedade socialista e verdadeiramente democrática. O aprofundamento da crise não descarta do horizonte a organização de uma greve geral. A CUT deve estar preparada para esses desafios, e honrar sua história classista e de luta, de construção pela base e de prática militante. Nesse sentido, a CUT deve resistir aos ataques que tem sofrido, com a política de cooptação do movimento sindical adotada pelo governo federal, que quer impor, em troca do reconhecimento das centrais, a generalização do imposto sindical – ou da sua outra forma, a taxa negocial – e arrastar a entidade para um pacto social, através d participação da sua direção em conselhos tripartites com governo e empresários. Esta política tem levado à divisão do movimento dos trabalhadores, que é respaldada pelas posturas em parte “esquerdistas”, em parte oportunistas, de criação do Conlutas, da CTB e da Intersindical. Mas essas divisões tendem a continuar, principalmente se a CUT for incapaz de mobilizar e unificar a classe trabalhadora brasileira em defesa dos seus interesses.

sábado, 15 de novembro de 2008

Compromisso Público com o livre exercício da organização sindical no local de trabalho

O compromisso abaixo foi escrito por nós para ser apresentado nas escolas públicas estaduais, mas pode ser adaptado para outras situações. A intenção é comprometer as chapas à direção das escolas com o livre exercício sindical.

"Nós, candidat@s nas eleições para diretor@s e vice-diretor@s das escolas Públicas Estaduais do Paraná, tendo compreensão da importância da luta sindical para melhoria das condições de trabalho e para a construção de uma sociedade mais justa, nos comprometemos com o livre exercício da atividade sindical no local de trabalho. Para tanto, assumimos desde já o compromisso de:

- apoiar a eleição de representantes de escola (professor@s e funcionári@s) junto a APP-Sindicato;

- garantir espaço para o exercício sindical desses representantes e de outros membros da APP-Sindicato, como o de campanhas de filiação, distribuição de materiais e a apresentação de informes da entidade;

- não promover nenhuma atitude anti-sindical em prejuízo desses representantes (como assédio moral ou perseguições de ordem administrativa);

- criar condições para que os representantes de escola (professores e funcionários), devidamente eleitos, possam participar das assembléias, reuniões e atividades de formação organizadas pela entidade;

Com isso, reconhecemos que a livre organização sindical d@s trabalhador@s em Educação é parte constitutiva da construção de uma Escola Pública, Gratuita e de Qualidade.

Assinatura das chapas:




Curitiba, _____ de novembro de 2008"

domingo, 12 de outubro de 2008

Uma Crítica às Diretrizes Curriculares de História - Parte II: a Ordem Burocrática

Em artigo anterior (Parte I), levantamos uma série de hipóteses sobre a distância que existe entre as propostas de conteúdos apresentadas pela SEED e aquilo que os professores do ‘chão da escola’ fazem realmente. Em nossa avaliação, as Diretrizes Curriculares de História apresentadas pela Secretaria de Educação incorporam conceitos e métodos da produção historiográfica contemporânea, sem aprofundar a discussão sobre as particularidades do saber histórico escolar – que não pode ser encarado como uma simples reprodução da ciência de referência. Em parte, esse distanciamento entre o que se propõe e o que se faz se deve a alguns fatores. Entre eles, o fato dos profissionais que trabalham na formulação dos conteúdos para a SEED serem afastados em tempo integral de suas atividades como professores; além disso, foram indicados para a Equipe de História por suas qualidades como pesquisadores e, consequentemente, por suas ligações com a ‘História Acadêmica’; por fim, esses profissionais são influenciados pelas mudanças recentes na estrutura profissional dessa área do saber, que reforçaram a distinção entre os que produzem história e os que a ensinam. No entanto, esses fatores podem ser secundários. O principal é que formuladores de currículo e professores estão inseridos em uma estrutura burocrática que reforça as divisão social do trabalho e a hierarquia de comando. Tradicionalmente, essa ‘ordem burocrática’ entende que os professores do ‘chão da escola’ são meros executores de políticas públicas e não seus formuladores. As políticas públicas só poderiam ser definidas pelos ocupantes de cargos eletivos e seus auxiliares posicionados nos primeiros escalões da burocracia estatal.

Em parte, o fracasso do Currículo Básico de 1990 esteve ligado a sua imposição burocrática, a despeito do seu caráter progressista. Exatamente por isso, a SEED procurou, nas atuais discussões sobre as Diretrizes Curriculares de História, superar essa falha. De fato, até onde temos conhecimento, a atual proposta curricular vem sendo discutida a mais tempo do que suas predecessoras. E mais: incorporou em seu processo praticamente todos os professores da rede pública estadual, com seminários, encontros descentralizados e DEBs Itinerantes. Mas a amplitude do seu alcance não significou necessariamente ‘mais’ democracia.
Para explicar nossa argumentação, desenhamos um esquema que procura reproduzir a estrutura na qual as Diretrizes Curriculares de História foram discutidas:


Nesse esquema, a primeira esfera participou dos Seminários e Reuniões Técnicas, responsáveis pela elaboração de propostas consensuais para as Diretrizes Curriculares. A segunda esfera discutiria as propostas e apresentaria suas críticas e colaborações nos encontros descentralizados. Os professores-coordenadores seriam o elo de ligação entre os professores do chão-da-escola e os formuladores de currículo da primeira esfera (composta pela Equipe de História, Assessores e Responsáveis por Núcleo). Outro elemento importante nessa interlocução eram os Documentos I e II, elaborados pela Equipe de História e que traziam textos e questões utilizados nos Encontros Descentralizados realizados entre 2004 e 2005.

A Discussão experimentada pelos de baixo
Como participantes dos Encontros Descentralizados, entramos em contato com os Documentos I e II. Esses documentos traziam os marcos legais do debate curricular, textos teórico-metodológicos, questões que procuravam traçar um diagnóstico das práticas curriculares dos professores e discussões bem gerais sobre os objetivos da disciplina. Em nenhum deles, uma proposta de lista de conteúdos.
Os professores-coordenadores, considerados como ‘um conjunto representativo do coletivo dos professores de História’ pela SEED, foram na verdade indicados pelos responsáveis por núcleo, e não eleitos pelos seus pares. Apesar da dedicação desses professores, devemos levar em conta que indicações como essa – uma espécie de ‘reconhecimento’ por parte dos superiores hierárquicos – podem estimular não uma postura de representantes de um coletivo, e sim reforçar sua filiação à chefia que os escolheu.
O conteúdo das discussões mais a forma com que os Encontros eram organizados aumentaram a desconfiança de vários professores de que as reuniões serviriam como um simulacro de ‘participação democrática’, para validar orientações curriculares pré-determinadas. Duas situações em especial reforçaram esses indícios. No primeiro Encontro Descentralizado, um dos temas do debate era a das problemáticas que deveriam ser contempladas pelas Diretrizes Curriculares. Das diversas problemáticas levantadas espontaneamente no grupo que participamos, nenhuma dizia respeito ao tema ‘Identidade’, que só foi introduzido na discussão graças à intervenção professores-coordenadores - pois o tema já fazia parte das preocupações do Grupo Permanente de História (o grupo da 1ª esfera).
Outra situação emblemática dizia respeito à organização curricular adotada pelos professores em 2004. O resultado do diagnóstico promovido no 1º Encontro Descentralizado foi o seguinte:
História Integrada (53%)
História Periodizada (31%) Mundo/ Brasil
História Periodizada (12%) Brasil/Mundo
História Temática (4%)

O resultado era amplamente desfavorável para a História Temática. Mas após o 2º Encontro Descentralizado surge uma Versão Preliminar das Diretrizes Curriculares, com uma outra consulta aos núcleos, e que apresentava um resultado diferente:

Quanto à organização Curricular, a História Integrada aparece como opção preferencial para 37,2% dos núcleos, enquanto a História Temática é preferida por 21,8% e a História Linear Geral/do Brasil é escolhida por 15,6%. Alguns NREs não responderam ou suas respostas não permitiram identificar uma escolha.(...) Nunca é demais lembrar que esses levantamentos não têm o grau de precisão e não a intenção de estabelecer uma “eleição” da perspectiva mais “votada”.

Uma consulta imprecisa (faltou dizer que a interpretação desses dados também era) e que não tinha a pretensão de ser uma eleição... Logicamente, quem se reservava ao direito de determinar a próxima organização curricular era o núcleo duro da hierarquia: a Equipe de História da SEED e seus assessores. Essa Versão Preliminar já apresentava encaminhamentos mais concretos e até um rascunho de uma lista de conteúdos. Mas não foi submetida ao crivo dos professores de chão de escola.

Uma lista de conteúdos imposta

No início do ano de 2006 a SEED já tinha pronta uma primeira lista de conteúdos. Para os professores de chão de escola, uma lista de conteúdos não é uma panacéia. É a concretização da proposta curricular, o resultado do que deveria ser um acordo coletivo, consensual entre os profissionais da área.
No entanto, a proposta da SEED não logrou esse consenso. Tinha como tema principal a formação da identidade brasileira; valorizava os conteúdos da história do Brasil em uma abordagem temática; não rompia com a cronologia tradicional, mas propunha uma nova e inusitada distribuição desses conteúdos pelas séries do ensino fundamental.
No primeiro Encontro Descentralizado que tivemos naquele ano, fomos informados que nossos planejamentos deveriam seguir obrigatoriamente aquela lista. De fato, vários planejamentos encaminhados das escolas ao núcleo já haviam sido recusados. Os professores-coordenadores estavam surpresos com a imposição daquela lista, que não foi discutida pelos professores de base.
Entre as causas do repúdio de muitos professores àquela lista de conteúdos podemos apontar: a forma com que foi imposta; as dificuldades que criava com sua inconsequente organização dos conteúdos por série; o tema (não consensual) da ‘Identidade Brasileira’. Naquela ocasião, expusemos nossas primeiras críticas às Diretrizes aos professores presentes.

Nova lista de conteúdo, velha ordem burocrática

Em 2007 o quadro mudou relativamente. A lista de conteúdos proposta anteriormente caiu e a discussão teórica avançou, incorporando conceitos e métodos da produção historiográfica contemporânea, ganhando destaque especial três correntes: a História das Mentalidades, Nova História Cultural e História Marxista Inglesa. Também não tínhamos mais Encontros Descentralizados. Agora eram os encontros do “DEB Itinerante”. E mais: as reuniões foram coordenadas pelos professores da Equipe de História da SEED, o que nos permitiu expor nossas críticas a diversos aspectos das Diretrizes.

No entanto, em junho de 2008, uma nova lista de conteúdos é apresentada, agora com a admissão completa de uma versão mais radical de História Temática, que inclui o rompimento com a cronologia tradicional (ou quadripartite: Antiga, Média, Moderna, Contemporânea). E imposta burocraticamente. O texto de apresentação dos Conteúdos Básicos–História nos informa que, após o DEB-Itinerante, ‘os professores dos 32 NRE terão sido nossos interlocutores e colaboradores, tanto para o aprimoramento dos DCE, quanto para a organização final do quadro de conteúdos básicos’. Nós perguntamos: onde a interlocução, se no encontro do DEB que participamos não havia proposta de lista a ser discutida? Se sempre discutimos ‘generalidades’? E quando tivemos condições de fazer alguma discussão, a impressão que tivemos foi que nossas opiniões foram ignoradas, por não corresponderem às concepções dos que formularam esse currículo? E o que é mais preocupante: nos impingiram uma lista de conteúdos, que compartilha das mesmas concepções pedagógicas presentes nos Parâmetros Curriculares, e a apresentaram como Conteúdo Básico, conceito que tem uma filiação teórica completamente diferente (mas essas questões ficam para outros artigos).
A fragilidade dessas listas de conteúdos propostas ao longo das discussões de Diretrizes Curriculares é evidente. Primeiro, porque essas discussões não são impulsionadas em consonância com movimentos sociais mais amplos (ver Parte I); segundo, que apesar do maior tempo e abrangência da discussão, a SEED não conseguiu superar a ordem burocrática e sua divisão do trabalho: quem elabora teórica e metodologicamente as Diretrizes Curriculares e propõe listas de conteúdos é a Equipe de História da Secretária; e o fazem criando um simulacro de discussão com a base – através de reuniões organizadas para debater ‘generalidades’, passando a impressão de que, com essa participação, as Diretrizes surgiram ‘coletivamente’.
Lançamos uma última provocação. Há outras formas muito mais democráticas de se decidir sobre conteúdos curriculares. E que podem se apoiar na tradição sindical dos próprios professores. De tempos em tempos, os trabalhadores filiados à APP-Sindicato são chamados a participarem das discussões dos Congressos da entidade, onde se elabora um texto final e que orienta as ações do sindicato no período subsequente. A organização da discussão é a seguinte:
1º - a Direção do Sindicato pode propor um texto-base, com antecedência, para toda a categoria;
2º - todos os trabalhadores filiados podem participar dos congressos regionais, que discutem o texto-base. Nesse momento, os filiados presentes podem apresentar emendas substitutivas, aditivas e supressivas, do todo ou em partes;
3º - nos congressos regionais são eleitos os delegados ao congresso estadual (geralmente os trabalhadores que apresentam propostas aos texto-base, apoiadas por uma porcentagem representativa de outros trabalhadores);
4º - no Congresso Estadual os delegados eleitos votam o texto-base e as suas emendas, que vieram dos congressos regionais ou foram apresentadas no Congresso.
Não temos dúvida de que um esquema parecido poderia ser usado em discussões sobre currículo. Evidente, esse tipo de organização não está isento de procedimentos burocráticos, mas é muito mais democrático. E é lógico, uma organização como essa pode, em uma discussão curricular, referendar a tradição e eleger um simplório currículo quadripartite, com uma ou outra inovação temática ou histórico-crítica. Não importa. A participação dos professores em uma discussão real sobre currículo tenderia a elevar o nível teórico desses mesmos professores. E mais importante, poderia garantir um consenso e a adesão dos professores de base. Pois quem milita em movimentos de trabalhadores sabe que vale muito mais um acordo prático do que mil palavras e boas intenções irrealizadas...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma crítica às Diretrizes Curriculares de História - Parte I: Currículo e Movimentos Sociais

Recentemente os professores de História da Educação Pública do Estado do Paraná receberam uma proposta de conteúdos para a disciplina[1], como parte das discussões sobre as Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental do Estado. Salvo engano, esta lista já é a terceira orientação que recebemos sobre a escolha dos conteúdos desde o início do debate sobre as Diretrizes. A primeira lista de conteúdos a aparecer mantinha uma cronologia “linear” (embora apresentasse uma divisão diferente dos conteúdos por série) e privilegiava os temas de história do Brasil. Já em 2007 fomos informados nas reuniões técnicas que a proposta de uma lista de conteúdos não fazia mais parte das preocupações da SEED naquele momento, e nossa atenção deveria se voltar para as discussões teóricas que subsidiavam as Diretrizes. Agora, em 2008, aparece essa nova proposta que defende uma abordagem temática para a disciplina e que rompe com a cronologia linear, tradicional no ensino de História. Evidentemente, essa proposta temática é inovadora. Mas será progressista?
Esse artigo, o primeiro de uma série de cinco, procura desenvolver uma crítica, dentro de uma perspectiva marxista, à proposta das Diretrizes Curriculares do Ensino de História do Paraná. Em especial, vamos levantar aqui algumas hipóteses que podem ajudar a explicar um sentimento comum a muitos professores da rede estadual: a perplexidade que experimentam à cada nova proposta curricular apresentada pela SEED, causada principalmente pela distância entre o que esses currículos sugerem e o que esses professores realmente fazem em sala de aula. E preciso compreender os fatores que separam os que formulam os currículos dos professores do 'chão de escola'. É nossa contribuição ao debate.

1. A Redemocratização e o Currículo Básico do Estado do Paraná

Tem sido lugar comum estabelecer vínculos entre as propostas curriculares e o contexto histórico do qual fazem parte - suas características políticas, sociais e econômicas específicas. No final da década de 80, no Paraná, surge a proposta do Currículo Básico do Estado, fortemente influenciada pela Pedagogia Histórico-Crítica, de base marxista. Essa pedagogia era uma resposta no campo educacional a um período marcado por intensas mobilizações populares, que tinham como alvo o fim do regime militar e a redemocratização do país. As greves do ABC (79), a luta pela Anistia (79) e o movimento pelas Diretas Já (84) são os momentos mais lembrados dessa história onde diferentes setores da sociedade (mas principalmente a classe trabalhadora organizada) saíram às ruas exigindo mudanças profundas no país.
O impulso gerado por esse período de intensa mobilização social levou a Pedagogia Histórico-Crítica a experimentar mesmo uma 'hegemonia’ nos debates sobre currículo. Professores de 'chão de escola’ mais progressistas e professores universitários podiam ser (e foram, em certa medida) atraídos pelo compromisso dessa pedagogia com a apropriação dos saberes historicamente acumulados por parte das classes trabalhadoras. Uma proposta progressista, que ganhou espaço mesmo no governo Álvaro Dias, do PMDB. Mas a forma com que foi aplicada entrou em franca contradição com o seu conteúdo. Quando a proposta ficou pronta, as grandes mobilizações sociais já entravam em refluxo. A euforia 'democrática' cedera espaço às decepções com o plano Cruzado, à inflação galopante e à eleição de um reacionário filhote da ditadura: Fernando Collor de Melo. Uma hipótese que pode explicar a pouca adesão dos professores ao Currículo Básico é de que o documento, a despeito do grande avanço que representava, ficou ligado aos destinos do governo Álvaro Dias. Decidido e implantado burocraticamente, entrou pelo 1º governo Requião com a desconfiança dos professores da rede pública, que traziam na memória as marcas das perdas salariais e as agressões sofridas no 30 de agosto de 1988.
No entanto, isso não apaga suas virtudes. Naquele momento, professores do chão da escola e pesquisadores, influenciados pela mobilização popular, podiam falar a linguagem comum da redemocratização. Os conteúdos de história apresentados no programa procuravam atender a uma questão geral: que conteúdos historicamente acumulados podem e devem ser apropriados pelo alunos das classes trabalhadoras, com vista à sua luta por emancipação social?

2. O mercado de trabalho e os PCNś

Em 1998 apareceram os Parametros Curriculares Nacionais, uma nova orientação curricular implantada pelo governo federal da época, para responder às 'novas' exigências de uma economia capitalista cada vez mais 'globalizada', e que estava impondo uma reestruturação da divisão mundial do trabalho, com suas políticas de abertura dos mercados, privatizações, retiradas de direitos trabalhistas e novas formas flexíveis de produção. Em um recente documento enviado para as escolas[2], a SEED faz uma crítica contundente dos PCNs e suas premissas, que levavam a fragmentação do saber e ao esvaziamento dos conteúdos; a ênfase no desenvolvimento de 'competências e habilidades' com intenção de preparar os alunos às estritas exigências do 'mercado' de trabalho; a defesa do voluntarismo e do senso comum escondido por trás da pedagogia de projetos; e ao desvio das prioridades da escola com a implantação dos temas transversais. Além disso, a imposição tecnocrática desses PCNs marcaram história. Técnicos do MEC, equipes de assessores internacionais e alguns poucos professores universitários deram o tom desses documentos. O professor de 'chão de escola' foi considerado um mero executor desses programas. Curiosamente, foi com os PCNś que a proposta de História Temática para o ensino fundamental foi imposta nos currículos de todo o país. Podemos resumir as intenções desses PCNś à seguinte questão: que competências e habilidades os alunos devem aprender para atender às novas exigências do mercado de trabalho?

3. O 'Bonapartismo Historiográfico' e as Diretrizes Curriculares do Paraná

Mais recentemente, os governos vinculados estreitamente às políticas de reestruturação do capitalismo (conhecidas equivocadamente como políticas ‘neo-liberais’) foram derrotados nas últimas eleições, após um período importante em que alguns movimentos sociais se rearticularam (movimentos contra as privatizações, pela reforma agrária, greves do funcionalismo público, etc....). Mas se esses governos foram 'derrotados' e substituídos por governos supostamente mais sensíveis ao atendimento das reivindicações populares, não podemos dizer que essa mobilização social alcançou força o suficiente para alterar substancialmente as políticas em curso. No Paraná, essa situação se expressa na forma em que vem sendo discutida e proposta as Diretrizes Curriculares da Disciplina de História. Por um lado, se os defensores do capital já não conseguem impor seus PCNs com facilidade, por outro, a classe trabalhadora também experimenta dificuldades em articular um projeto de transformação social e, consequentemente, educacional. Sobra espaço então para uma maior autonomia da ciência de referência de nossa disciplina: a História. De fato, nenhum dos currículos anteriores absorveu tanto a produção historiográfica contemporânea quanto as atuais diretrizes. São conceitos e métodos transpostos de correntes historiográficas (como a História das Mentalidades, a Nova História Cultural e da Historigrafia Marxista Inglesa) diretamente para o saber histórico escolar.
Colocados em relativa distancia dos compromissos políticos com um e com outro lado - ambos incapazes no momento de imporem seus projetos educacionais – os formuladores do currículo encontram refúgio nas particularidades da História enquanto um campo de saber específico, e passam a influenciar diretamente o saber histórico escolar, sem se sujeitarem aos filtros políticos e ideológicos a que estavam submetidos anteriormente. Uma espécie de 'Bonapartismo Historiográfico'. No máximo, são chamados a dar resposta a pressões setoriais, como é o caso da incorporação de conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira. Assim, a questão que as novas Diretrizes parece querer responder é a seguinte: que conceitos e métodos, oferecidos pela produção historiográfica contemporânea, os alunos devem aprender para 'pensar historicamente'?

4. Uma mudança estrutural

Esse novo domínio da ''História Acadêmica” na produção do saber histórico escolar no Paraná não pode ser explicado apenas pela conjuntura política descrita acima. Há também uma mudança estrutural importante. De fato, com a expansão dos cursos de pós-graduação, com a oferta de emprego decorrente do crescimento do número de faculdades particulares e com a diversificação do mercado editorial brasileiro, aparecem novas oportunidades de emprego para os que estão envolvidos diretamente com a ‘produção historiográfica’, ampliando o espectro das especializações e reforçando uma hierarquia entre instituições de pesquisa histórica. Em uma primeira impressão, podemos afirmar que cada vez mais setores da ‘academia’ ganham uma autonomia relativa, criam seu próprio universo de relações e se distanciam de certas contingências sociais, como a de formar professores (a UFPR recentemente instituiu um curso noturno de bacharelado em história, rompendo com uma tradição de formação integral e que incluía as disciplinas de licenciatura) . Hoje em dia os novos pesquisadores e futuros professores universitários podem abrir mão da labuta em uma sala de aula do ensino fundamental e médio (ou então, trabalhar nelas por um tempo muito reduzido). E no entanto, esses mesmos profissionais podem ser chamados a discutir programas de ensino, dado o papel que têm na divisão de tarefas que se aprofunda e que atinge os trabalhadores da história – separando-os entre aqueles que fazem pesquisa (e formulam currículos) e aqueles que ensinam.
De fato, professores universitários foram chamados como assessores da Equipe de História responsável pela produção das Diretrizes. No entanto, essa equipe é formada substancialmente por professores egressos dos quadros da própria Secretaria de Educação. Por que então as propostas de conteúdos parecem tão distantes das experiências vividas por professores do ‘chão da escola’? Há uma série de fatores a se levar em conta: 1ª- os profissionais que passam a trabalhar para a SEED, são afastados em tempo integral de suas atividades como professores; 2ª – em parte, já foram selecionados para aturarem na formulação de currículo e na produção de material didático por suas ligações com a ciência de referência e por suas aptidões para esse tipo de trabalho; 3ª – são tão afetados por aquela mesma conjuntura de refluxo dos projetos populares, quanto pelo avanço da autonomia relativa do campo historigráfico; 4ª – mas principalmente porque a burocracia estatal, longe de dissolver as diferenças, reforça as divisão social do trabalho e a hierarquia de comando. Mas esse último aspecto e sua influência nas discussões das Diretrizes Curriculares de História ficam para o próximo artigo.

[1] São os Conteúdos Básicos de História – Ensino Fundamental. Recebemos nossa versão em junho de 2008.
[2] Trata-se do texto: Os Desafios educacionais contemporaneos e os coteúdos escolares: reflexos na organização da proposta pedagógica curricular e a especificidade da escola pública, produzido pela Coordenação de Gestão Escolar da SEED, e discutido nas escolas durante a semana pedagógica de julho de 2008. Em geral, temos muitos acordos com esse documento. Mas a linguagem 'acadêmica' demais em que foi escrito trouxe sérias (e desnecessárias) dificuldades para seu entendimento por parte de professores e funcionários.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Eleições APP-Sindicato

Dia 25 de setembro teremos eleições para a direção estadual da APP-Sindicato e para as direções de cada um dos 29 núcleos regionais da entidade. Votam professor@s e funcionári@s sindicalizad@s. Nós, militantes da Esquerda Marxista do PT, apresentamos nossa avaliação sobre as chapas que concorrem à direção estadual como uma contribuição ao debate eleitoral. Essa análise tem como pano de fundo a relação do nosso sindicato com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – a maior central sindical do país, que teve (e ainda pode ter, segundo nossa interpretação) um papel fundamental na organização da classe trabalhadora brasileira. Como também somos uma organização política, não poderíamos desconsiderar a participação de outros agrupamentos(1) e sua influência na orientação política das chapas inscritas. Vamos às chapas.
Chapa 3: parte dos seus membros é filiada ou simpatizante do PSOL e do PSTU. Bastante combativos(2), são tomados, no entanto, por concepções vanguardistas e voluntaristas sobre o que é o movimento sindical. Concepções que os levam precipitadamente a defender a desfiliação da CUT. Segundo eles, essa central sindical já teria encerrado seu ciclo histórico como organização de classe, servindo hoje apenas como um aparelho de defesa das políticas anti-sindicais e anti-trabalhistas do governo Lula. Mas não se põe fim à história de uma Central por decreto. A CUT nasceu de um vigoroso movimento da classe trabalhadora brasileira no final dos anos 70 e início dos 80. Só outro movimento de proporções parecidas poderá dizer, definitivamente, se a CUT continuará ou não como uma referência de luta para classe trabalhadora. Posições vanguardistas nesse momento correm dois riscos: primeiro, o do isolamento desses grupos do conjunto da categoria; ou então, o de desenvolver uma luta fratricida dentro da entidade, a exemplo do que ocorre com o sindicato d@s trabalhador@s em educação de São Paulo (APEOESP), com sua direção dividida entre grupos “governistas” e “esquerdistas”, sem uma condução consequente da luta sindical daquela entidade.
Chapa 2: alguns participantes dessa chapa estão vinculados à Articulação Sindical ou à corrente “O Trabalho”, ambas associadas ao PT e à CUT. Antes de formarem a chapa, haviam proposto a organização de uma Convenção Cutista – uma forma democrática para compor chapas com a participação de diferentes correntes cutistas dentro de um sindicato. Seria um grande avanço político a implantação dessas convenções na APP. No entanto, na forma e na situação em que foi apresentada, essa proposta de Convenção Cutista ficou carregada de certo oportunismo eleitoral (que não pode ser atribuído a todos os seus proponentes, evidentemente). A idéia da Convenção, então, acabou compreendendo outros dois objetivos: primeiro, o de pressionar a atual direção da APP-Sindicato - que formou a chapa 1 - a conceder espaços na direção estadual para outras correntes sindicais, em negociações de cúpula. E, caso isso não fosse aceito, formar uma Chapa 2, de oposição, a partir da denúncia dessa falta de disposição democrática da atual direção estadual. Foi o que aconteceu. Se nos últimos anos a Articulação esteve afastada da direção estadual da APP-Sindicato, não podemos esquecer que ela é a corrente majoritária na CUT (tanto estadual quanto nacional) e na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Propôs uma Convenção Cutista para a APP-Sindicato, onde é minoritária, mas também não demonstra a mesma disposição democrática nos sindicatos e entidades sob seu controle. Os compromissos dos seus dirigentes com o governo Lula são em parte responsáveis pelo arrefecimento da luta sindical e pela burocratização da CUT no último período.
Chapa 1: é a continuidade da atual direção da APP-Sindicato. Parte dos seus integrantes é militante da Democracia Socialista (DS), outra corrente petista e vinculada à CUT. Beneficiada pelas conquistas da categoria no último período (dos planos de carreira aos reajustes salariais), essa chapa deve permanecer à frente do sindicato. No entanto, é preciso lembrar que o futuro da próxima gestão pode depender da sua disposição em mobilizar efetivamente a categoria, tendo em vista as possíveis repercussões de uma crise capitalista. Essa lembrança não é descabida. Assim como na Articulação, muitos dirigentes da DS também defendem o governo de coalizão. E é inegável que os enfrentamentos dessa direção com o governo Requião nos primeiros anos – que incluiu até uma ocupação da SEED -, contrasta com o posicionamento mais brando no último período, onde alguns dos seus dirigentes se empenharam em evitar mobilizações mais contundentes da categoria. Por fim, não é sem razão que a Articulação acusa a falta de disposição da Chapa 1 em compor com outras correntes políticas. A Chapa 1 justifica esse posicionamento assinalando sérias divergências políticas com outros grupos, o que tornaria impossível uma composição mais ampla. Explicações à parte, devemos lembrar que a Reforma Sindical proposta pelo governo Lula atrela as centrais sindicais ao governo - em troca de reconhecimento e de vultuosos recursos – e acaba estimulando as correntes sindicais a se desfiliarem da CUT para compor suas próprias centrais. Ora, promover o rompimento da construção da unidade d@s trabalhador@s através do sustento de burocracias sindicais aparelhadas pelo Estado é o maior desserviço que o governo Lula poderia prestar a luta de classes no Brasil. Esperamos que esse não seja o horizonte da Chapa 1. De qualquer forma, seria de fundamental importância, para o atual debate eleitoral, que todas as chapas se posicionassem claramente em relação à reforma sindical.

(1) Muit@s professor@s e funcionári@s têm receios de que a participação de grupos políticos acabe desvirtuando ou corrompendo o sindicato, virando tudo ‘politicagem’. Não concordamos com isso. Um partido político pode ser definido como um conjunto de pessoas que defendem idéias e objetivos em comum, e que dizem respeito à organização da sociedade. E exatamente por defenderem projetos sociais mais ou menos coerentes esses grupos têm muito a contribuir para o debate sobre os rumos da entidade. Abusos de poder devem ser vigiados e coibidos pel@s trabalhador@s através de sua atuação no sindicato. Além do mais, grupos organizados, quer se intitulem ou não ‘partidos’, sempre vão existir. Discursos apartidários ou apolíticos ou são inocentes demais (e seus defensores podem ser levados a tomarem ‘partido’ inconscientemente) ou são mal intencionados (que querem se aproveitar da ingenuidade política dos outros).

(2) De fato, podemos encontrar exemplos de combatividade e abnegação pessoal em qualquer uma das três chapas. Há militantes sindicais valorosos, participando ou não das chapas. Mas é uma grande ingenuidade discutir os problemas de direção sindical nos termos coragem X covardia. O fundamental é a linha política defendida pelos diferentes grupos e suas concepções de como se deve conduzir a luta da categoria.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Os 25 anos da CUT


Artigo que analisa os resultados do PLENCUT à luz dos 25 anos de fundação da central e as conseqüências da política capituladora de sua direção.

Luiz Bicalho
A CUT foi fundada em 1983. Faz 25 anos. A sua construção representou uma ruptura com o sistema sindical implantado pela ditadura de Getulio Vargas (1930-1945), na qual os sindicatos eram atrelados ao estado, com estatuto padrão designado em lei, com o seu financiamento sendo bancado majoritariamente pelo Imposto Sindical e com a possibilidade de intervenção das autoridades governamentais em qualquer sindicato que não rezasse pela cartilha dos patrões. Tanto é assim que com o golpe militar de 1964 os militares não mudaram nada da estrutura sindical, apenas intervieram nos sindicatos que diziam ser “esquerdistas” ou “comunistas”, destituíram seus dirigentes e substituíram por outros mais confiáveis.Durante os anos da ditadura os trabalhadores se organizaram em oposições sindicais e comissões ilegais nos locais de trabalho. Em alguns casos (como bancários) conseguiram ganhar as eleições. Em outros, setores ligados às direções procuraram uma “renovação” aceitando a pressão dos operários. Num caso, realizou-se a junção da oposição com os renovadores (metalúrgicos de São Bernardo) e a direção resultante conduziu as maiores greves após a decretação da ditadura.
Logo após as greves de 1979 e 1980 uma onda de greves se espalha pelo país e o conjunto dos trabalhadores procura trilhar os caminhos que os metalúrgicos trilharam.Marx e Engels, no Manifesto Comunista, lembram que após cada luta o que sobra é a organização maior que os trabalhadores conquistaram. E o final destas lutas heróicas que conduziu a classe trabalhadora foi a sua organização, com as oposições ganhando novos sindicatos e aumentando as greves.Este movimento conflui para os Conclats (Congressos da Classe Trabalhadora). Os dirigentes sindicais que não quiseram adaptar-se aos “novos tempos” vão sendo varridos. E, com o nascimento do PT, os seus líderes (Lula, Olívio Dutra e Jacó Bitar) assinam uma convocatória para o congresso que constituiu a CUT, já que os outros recusavam-se a assiná-la. Destaca-se que o PCB e o PCdoB recusaram-se a participar da fundação da CUT chamando-a de divisionista.Mas a CUT se impôs pela força de sua política, pela força da classe operária que buscava a sua unidade e centralização.
Mas, no momento em que o PT começa a mudar, a direção da CUT (maioria de petistas) segue no mesmo rumo e ao invés de greves gerais, começa a política de concertação, do pacto social, dos acordos, das mesas setoriais até os dias de hoje. Sim, em 25 anos a CUT se tornou a maior central sindical do Brasil. E quais os rumos que a sua direção propõe traçar ao final destes 25 anos?A última Plenária Nacional e a “continuidade”A CUT realizou a sua 12ª Plenária Nacional (PLENCUT) e tirou um manifesto intitulado “Jornada de Lutas e Mobilizações”. O início do texto promete a continuidade da luta por uma sociedade socialista, como podemos ver abaixo:
A CUT, nos seus 25 anos de existência, com uma trajetória de luta e combatividade, em defesa dos interesses e aspirações da classe trabalhadora, reafirma os princípios e bandeiras que lhe deram origem.Nesse cenário de reorganização do movimento sindical e de retomada do crescimento econômico, os desafios se modificam, tornam-se mais complexos e se multiplicam. Portanto, cada vez mais imprescindível a atualização da nossa estratégia, para nossa militância disputar o projeto de desenvolvimento para o Brasil.Assim, com a firme determinação para manter sempre acesa a chama do fortalecimento da democracia, da valorização do trabalho, da ampliação de direitos da classe trabalhadora, com toda a sua diversidade: gênero, raça/etnia, opção sexual, pessoas com deficiência; da democratização das relações sociais e das relações de trabalho, por uma organização sindical livre e autônoma, no rumo de uma sociedade socialista.(veja o texto completo clicando aqui)
O texto é um primor ao esconder em belas palavras aquilo que faz a maioria das direções sindicais no momento – deixar de lado a luta do salário contra o capital e deixar a classe trabalhadora entregue à fúria da burguesia que procura se safar de sua crise aumentando a miséria e o sofrimento dos trabalhadores.Sim, a CUT “reafirma os princípios e bandeiras que lhe deram origem”. Ora, como é possível reafirmar princípios e bandeiras se logo de cara nestes três parágrafos eles já estão sendo questionados? Como a nossa militância vai “disputar o projeto de desenvolvimento para o Brasil”? Os princípios da CUT, se todos lembrarmos, estão até hoje ainda gravados em seu estatuto que fazemos questão de relembrar nestes 25 anos de CUT:
Capítulo I - Dos objetivos fundamentais
Art. 2º A Central Única dos Trabalhadores é uma organização sindical de massas em nível máximo, de caráter classista, autônomo e democrático, cujos fundamentos são o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo.
Art. 3º A CUT tem como objetivo fundamental organizar, representar sindicalmente e dirigir, numa perspectiva classista, a luta dos trabalhadores brasileiros da cidade e do campo, do setor público e privado, ativos e inativos, na defesa dos seus interesses imediatos e históricos.Capítulo II - Dos compromissos fundamentais
Art. 4º Para cumprir seus objetivos, a Central Única dos Trabalhadores se rege pelos seguintes princípios e compromissos fundamentais:
I- Princípios
a) defende que os trabalhadores se organizem com total independência frente ao Estado e autonomia em relação aos partidos políticos, e que devem decidir livremente suas formas de organização, filiação e sustentação material. Neste sentido, a CUT lutará pelos pressupostos consagrados nas convenções 87 e 151 da OIT no sentido de assegurar a definitiva liberdade sindical para os trabalhadores brasileiros;
b) de acordo com sua condição de central sindical unitária e classista, garantirá o exercício da mais ampla democracia em todos os seus organismos e instâncias, assegurando completa liberdade de expressão aos seus filiados, desde que não firam as decisões majoritárias e soberanas tomadas pelas instâncias superiores e seja garantida a plena unidade de ação;
c) desenvolve sua atuação e organização de forma independente do Estado, do governo e do patronato, e de forma autônoma em relação aos partidos e agrupamentos políticos, aos credos e às instituições religiosas e a quaisquer organismos de caráter programático ou institucional;
d) considera que a classe trabalhadora tem na unidade um dos pilares básicos que sustentarão suas lutas e suas conquistas. Defende que esta unidade seja fruto da vontade e da consciência política dos trabalhadores e combate qualquer forma de unicidade imposta por parte do Estado, do governo ou de agrupamento de caráter programático ou institucional;
e) solidariza-se com todos os movimentos da classe trabalhadora, em qualquer parte do mundo, desde que os objetivos e os princípios desses movimentos não firam os princípios estabelecidos neste Estatuto.
A CUT defenderá a unidade de ação e manterá relações com o movimento sindical internacional, desde que seja assegurada a liberdade e autonomia de cada organização.
I- Compromissos
a) desenvolver, organizar e apoiar todas as ações que visem a conquista de melhores condições de vida e trabalho para o conjunto da classe trabalhadora;
b) lutar para a superação da estrutura sindical corporativa vigente, desenvolvendo todos os esforços para a implantação da sua organização sindical baseada na liberdade e autonomia sindical;
c) lutar pelo estabelecimento do Contrato Coletivo de Trabalho, nos níveis geral da classe trabalhadora e específico, por ramo de atividade econômica, por setores, etc.;
d) apoiar as lutas concretas do movimento popular da cidade e do campo, desenvolvendo uma relação de unidade e autonomia, de acordo com os princípios básicos da Central;e) defender e lutar pela ampliação das liberdades democráticas como garantia dos direitos e conquistas dos trabalhadores e de suas organizações;
f) construir a unidade da classe trabalhadora baseada na vontade, na consciência e na ação concreta;
g) promover a solidariedade entre os trabalhadores, desenvolvendo e fortalecendo a consciência de classe, em nível nacional e internacional;
h) defender o direito de organização nos locais de trabalho, independentemente das organizações sindicais, através de comissões unitárias, com o objetivo de representar o conjunto dos trabalhadores e dos seus interesses;
i) lutar pela emancipação dos trabalhadores como obra dos próprios trabalhadores, tendo como perspectiva a construção da sociedade socialista.(disponível aqui)
Uma citação longa? Não achamos. Inclusive porque por mais que procuremos, não está escrito nos estatutos da CUT “disputar o projeto de desenvolvimento para o Brasil”. Pelo contrário, o que está escrito é a necessidade da organização da classe trabalhadora de forma autônoma e independente da burguesia e de seu estado para lutar pelo socialismo. E ao invés de firme ”determinação para manter sempre acesa a chama do fortalecimento da democracia” (texto do manifesto), o que encontramos no estatuto é ”a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo.”Pequenas diferenças? Poderiam ser. Afinal parecem apenas palavras semelhantes.
Mas o que contém o restante do manifesto? ”Disputar projeto de desenvolvimento nacional sustentável, cujo centro seja a distribuição de renda e a valorização do trabalho;Combater a inflação, na perspectiva da classe trabalhadora, cobrando reforma tributária socialmente justa, redução da taxa de juros e desoneração da cesta básica;”Ou seja, logo no começo do manifesto a luta pelo socialismo desaparece substituída por disputar um projeto de desenvolvimento sustentável. Sim, em tempos de crise econômica, quando a crise dos EUA prepara-se para alçar vôo e atingir o restante do mundo, quando um dos elementos que geraram a crise nos EUA que foi o aumento absurdo do crédito imobiliário é transportado para o Brasil, falar em desenvolvimento sustentável parece um pouco de piada, como se fosse possível lutar por um capitalismo “sustentável”, deixando de lado o socialismo.
O segundo item do projeto é então mais absurdo. Se junta alhos com bugalhos e na salada final desaparece qualquer reivindicação concreta da classe trabalhadora. Desde quando “combater a inflação” fez parte da luta da classe? A CUT nasceu no combate por uma política salarial que recuperasse as perdas da classe trabalhadora. Hoje, todos os jornais destacam, os acordos salariais estão “acima da inflação”. Então, qual o problema? O problema é que a inflação atinge 6% ao ano, enquanto que alimentos, transporte, moradia que é o gasto essencial da maioria das famílias da classe trabalhadora chega a 20%. Por quê? Porque os produtos com alta tecnologia – computadores, TVs LCD e plasma, geladeiras de último tipo, máquinas de lavar e de lavar pratos de último tipo, celulares, MP3, todos os produtos com alta eletrônica embarcada, estes descem de valor. O resultado é que uma parcela da pequena burguesia e das camadas melhor remuneradas da classe trabalhadora “melhorou” de vida, enquanto que a maioria da classe, apesar dos reajustes salariais “maiores que a inflação” piorou de vida! O Salário Mínimo sobe acima da inflação... e muito, muito abaixo do aumento do preço dos alimentos!
“Reforma Tributaria Socialmente Justa”. Muito Justo. Mas o que tem a CUT a dizer sobre a Reforma Tributária concreta e real que Lula enviou ao congresso? Esta reforma tributária que desonera não a cesta básica, mas justamente os bolsos dos banqueiros? Porque a CUT não exige que Lula a retire do Congresso?(para entender mais sobre a reforma tributária, leia artigo aqui)Finalmente, cadê a velha bandeira de congelamento dos preços dos alimentos básicos? Cadê a velha bandeira de uma política salarial que reponha as perdas inflacionárias? Não, o que temos agora é a exigência de “redução da taxa de juros” como se isso fosse resolver os problemas pelos quais passa a classe trabalhadora.
O Manifesto continua. E, dentro dele, nada que relembre os velhos tempos do início da CUT: (Os leitores irão nos perdoar se saltamos alguns trechos, como o referente às eleições e passamos para temas mais “saborosos” que a imaginação e a disposição dos dirigentes da CUT manifesta)
Pressionar o Governo Federal e os governos estaduais e o Congresso Nacional pela ampliação de direitos: negociação coletiva no serviço público, contra as demissões imotivadas, livre organização no local de trabalho, redução da jornada de trabalho, combate à terceirização e precarização.
Vejamos: a velha bandeira de “estabilidade no emprego” é substituída por “contra a demissão imotivada”. Sim, não somos estúpidos e somos inteiramente favoráveis a aprovar a convenção da OIT que proíbe a demissão imotivada. Mas, por causa disso, devemos rebaixar nossas bandeiras? Aliás, cadê a exigência concreta de aprovação da convenção?Combate a terceirização e precarização? Cadê as bandeiras concretas de proibição de terceirização no serviço público, de direito do trabalhador terceirizado se sindicalizar no mesmo sindicato da categoria principal e de estender a eles os direitos dessa categoria? Aonde, em que curva da esquina nos últimos 25 anos elas se perderam?
Nós poderíamos continuar. Claro está que sobraram coisas justas como “implantação do Piso Nacional da Educação Básica; Luta pelo fortalecimento do papel do Estado com a ampliação dos concursos públicos, política de valorização dos servidores e combate à criação de fundações de direito privado;”.Sim, sempre sobra alguma coisa das reivindicações da classe trabalhadora. Mas, o problema é que o centro das questões é desviado, além de se construírem bandeiras totalmente equivocadas, como a defesa da divisão da nação entre negros e brancos (Estatuto da (DES)Igualdade Racial - para melhores esclarecimentos, veja o site do MNS).
Outras questões simplesmente desaparecem de pauta e o que sobra é um pálido reflexo distorcido daquilo que outrora compôs a bandeira de nossa central. Assim, a luta contra a privatização e pela estatização dos setores essenciais da economia, a luta pela estatização da saúde e educação desaparecem e é substituída pelos seguintes itens:
Realizar campanha pelo projeto de lei de iniciativa popular por um plebiscito oficial pela anulação do leilão da Vale do Rio Doce;Defender matriz energética limpa, de fontes renováveis; Realizar campanha em defesa do SUS.
O que tem de comum estas três questões? É verdade que somos pela anulação da privatização da Vale do Rio Doce. Mas por que projeto de lei de iniciativa popular? Por que não continuar a campanha para exigir que o governo anule o leilão baseado nas ações judiciais, porque não exigir que o governo mude de posição e passe ao pólo ativo das ações, contra a privatização?Como esquecer o problema da Petrobrás agora que o Brasil deve entrar no clube dos exportadores de petróleo? Como esquecer que a maioria das ações da Petrobrás encontra-se em mãos privadas, que o monopólio do petróleo foi quebrado e que a nova “estatal” para explorar a camada de pré-sal já nasce com o objetivo de contratar outras companhias (estrangeiras, já que a Petrobrás será excluída), isso se for criada uma nova estatal?Como esquecer que a maioria do SUS é privado, que hospitais e laboratórios são privados e falar simplesmente em defender o SUS?
Não faz muito tempo... 25 anos e muito mudou. Não mudaram tanto os dirigentes sindicais, apenas tornaram-se mais velhos e mais “respeitáveis”. E a velha luta pela independência sindical, as greves gerais, o apoio às greves, onde estão? A campanha dos metalúrgicos está sendo preparada, a campanha dos bancários está começando, por que não se discute a unificação? Por que não ter bandeiras comuns? Alias, como é que na campanha dos bancários é separado o setor público do setor privado? Sim, muito longe estão as greves gerais e são substituídas por uma marcha da classe trabalhadora em Dezembro, depois das campanhas salariais.
Será então que sobrou a Independencia Sindical?25 anos de CUT – Da independência sindical ao sindicato regulado pelo estado. O começo do manifesto fala em “cenário de reorganização do movimento sindical”. É muito pouco para explicar o que aconteceu nestes 25 anos e muito pouco também para explicar o que a CUT está fazendo. Afinal, o que aconteceu para que fosse originado a Conlutas, a Intersindical e a CTB? (*) O que aconteceu para que a Força Sindical fosse tratada como parceira? O que aconteceu com aquela parte dos estatutos que dizem que a CUT:
Defende que os trabalhadores se organizem com total independência frente ao Estado e autonomia em relação aos partidos políticos, e que devem decidir livremente suas formas de organização, filiação e sustentação material. Neste sentido, a CUT lutará pelos pressupostos consagrados nas convenções 87 e 151 da OIT no sentido de assegurar a definitiva liberdade sindical para os trabalhadores brasileiros.
Sim, as palavras são belas e certas, o combate é bonito e é certo. E o que faz a direção da CUT hoje? Está lá escrito em todas as letras no Portal da CUT: Projeto de lei vai criar a contribuição negocial. Está lá, assinado e tudo mais. As seis centrais sindicais brasileiras firmaram termo de compromisso para o fim do imposto sindical e sua substituição pela contribuição negocial, que não será compulsória mas sim aprovada em assembléia soberana. O acordo, assinado no último dia 5 de agosto, garante que será enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei que tornará realidade, finalmente, esta bandeira histórica da CUT.
"Durante vários anos defendemos o fim do imposto sindical sozinhos. A partir do Fórum Nacional do Trabalho, com o objetivo de prepararmos uma reforma sindical que acabou engavetada no Congresso Nacional, avançamos muito no convencimento dos outros setores da estrutura sindical. Após o reconhecimento legal das centrais, iniciamos outra batalha política, em que a CUT conseguiu obter acordo com as demais sobre a necessidade de acabar com o imposto. Esta é uma conquista do papel mobilizador e articulador da CUT", afirma Vagner Freitas, secretário nacional de Política Sindical.
O presidente nacional da CUT, Artur Henrique, adianta que o texto do projeto de lei deverá vir a público no próximo dia 21. "A partir de então, a próxima etapa será o trabalho junto aos deputados e senadores, especialmente sobre aqueles que chegaram a votar contra o reconhecimento das centrais e usaram a contrariedade com o imposto sindical como argumento, para cobrar coerência e aprovação, definitivamente, de uma forma democrática de financiamento da estrutura", diz. "A contribuição será aprovada em assembléia para entidades que efetivamente realizam ação sindical, do contrário será muito difícil convencer as bases.", conclui Artur, que durante o Fórum Nacional do Trabalho representou a CUT e coordenou a bancada dos trabalhadores, na condição de secretário nacional de Organização Sindical.
Entendamos: Agora não temos mais o imposto sindical que representa um dia de trabalho descontado obrigatoriamente de todos os filiados, mas uma “contribuição negocial” prevista em lei que será também descontada de todo trabalhador, a partir da decisão da assembléia geral? Sim, os que fazem parte do movimento sindical sabem como isso acontece: a assembléia é convocada e ai de quem fala contra a posição da direção de aprovar a tal taxa negocial. Bem distante da posição inicial da CUT que era pela revogação pura e simples do imposto sindical, que os sindicatos vivessem com o dinheiro recolhido de seus filiados. É possível fazê-lo? Os sindicatos de servidores demonstraram que sim, eles não recolhem o imposto sindical e aí estão vivendo e fazendo greves.
Independência frente ao governo? Vejamos o que publica o site da CUT sobre o problema previdenciário: Ministro anuncia medidas para fortalecer a Previdência pública "Os cálculos que temos mostram que até 2050 não é preciso nova reforma previdenciária. A questão é gestão e crescimento econômico", afirmou o Ministro da Previdência, José Pimentel. Ele ressaltou ainda que as orientações do presidente Lula são claras no sentido de continuar investindo para melhorar a gestão e o atendimento aos segurados...O ministro informou ainda que o governo decidiu encaminhar um projeto ao Congresso mudando o sistema de contabilidade para reduzir a margem de manipulação dos números, utilizada por quem queria fabricar um déficit na Previdência.
Entendamos: Antes explicávamos as políticas dos governos e defendíamos os direitos da classe trabalhadora. Antes estava inscrita em nossa bandeira aposentadoria integral para todos os trabalhadores. Agora esquecemos de pedir a revogação da reforma da previdência de FHC, da reforma da previdência feita por Lula e acreditamos na palavra do Ministro que mudou a contabilidade e o mundo virou o céu? Realmente, onde estamos?Isso é a independência frente aos governos? Isso é dizer que a luta continua igual como era há 25 anos? Como se pode ter tanta desfaçatez, tanta cara de pau? Sim, porque junto com este projeto de lei de mudança de contabilidade, foi ao congresso (aliás, antes do projeto de mudar a contabilidade) um projeto de reforma tributária que acaba justamente com boa parte das receitas previdenciárias. Então, mudar a contabilidade servirá para que mesmo?
Vinte e cinco anos! Ao contrário do que diz a direção da CUT, algo mudou. Os estatutos, os seus princípios continuam iguais. Mas os homens que a dirigem não se pautam mais por esses princípios e sim por outros muito diferentes. Os marxistas ajudaram a construir esta Central e estes princípios. E estamos na linha de frente de sua defesa, da defesa de seus princípios. E, por conseqüência, na linha de frente de combate contra esta direção que joga os princípios no lixo.
(*) O papel que cumprem cada uma dessas novas centrais sindicais na divisão do movimento sindical e na “ajuda” à direção da CUT de continuar a sua política será analisado em outro artigo.