domingo, 30 de maio de 2010

As Invasões Bárbaras

O 1º de Maio da CUT e a independência de classe
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Contribuição ao debate: Esquerda Marxista
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Araucária, 1º de maio, festa do dia do Trabalhador da CUT-Paraná. Em frente a um palco montado na praça da Bíblia, populares começavam a se aglomerar ao som pop-gaúcho do neto do Teixerinha. Duas belas dançarinas, em trajes mínimos, invadem a cena e sacrificam seus corpos em uma coregrafia sexy, comercial e esteriotipada. “Quem gostou pode aplaudir!” disse o cantor, para deixar à vontade do freguês o motivo da ovação: se pelas meninas ou pela música. Mas palmas que vieram não foram suficientes para esconder a consternação de parte da audiência. Minutos depois subia ao palco, em roupas punk-pretas-rasgadas, uma frágil mas corajosa militante do movimento passe-livre, que deixou de lado seu discurso para pregar o verbo: “Estou envergonhada pelo que acabamos de ver nesse palco. Nós, que lutamos tanto contra essa sociedade sexista, machista, que explora a imagem das mulheres!”. Arrancou do público feminista os aplausos que faltavam e, ironicamente, descobrimos que a consciência de classe também escreve certo por linhas tortas...
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Essa não foi a única dualidade presente no 1º de Maio da CUT. Como já revelou o educador Paulo Freire, os trabalhadores se encontram desde sempre entre Deus e o Diabo na terra do Capital: “O seu conhecimento, de si mesmos, como oprimidos, se encontra, contudo, prejudicado pela 'imersão' em que se acham na realidade opressora (…). São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetados neles, como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem duplos. Entre expulsarem ou não o opressor de 'dentro' de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados. Entre serem espectadores ou atores. (…) Entre dizerem a palavra ou não terem voz...”. Como veremos, militantes e sindicalistas não estão à salvo desse dilema.
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Todos nós louvamos a iniciativa da CUT em organizar uma festa em Curitiba e Região, principal centro industrial e de serviços do Estado. Nos últimos anos, a capital estava abandonada à orgia dos shows e sorteios da governista Força Sindical, confrontada apenas pelas aguerridas peregrinações organizadas pela CMS e outras entidades do movimento social. Mas a decisão acertada da CUT não justifica nos furtarmos à um exame de consciência, se quisermos expiar os erros cometidos.
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Alguns problemas são comuns à um evento desse tipo. Um deles diz respeito à divulgação da festa. As direções sindicais devem se empenhar mais na propaganda do evento para suas próprias bases. O fundamental é atraírmos os trabalhadores e trabalhadoras filiados aos sindicatos cutistas. Há uma diferença sensível e importante entre “juntar o povo” e “reunir a classe”. Uma festa de 1º de Maio é também uma atividade de organização e formação da classe trabalhadora. Se conseguirmos reunir a classe, o povo vem junto naturalmente. Mas o contrário não é verdadeiro. Evidentemente, os organizadores da atividade sabiam disso e as caravanas que vieram do interior foram prova dessa consciência. Mas devemos reconhecer que podemos melhorar muito nesse quesito. A ausência dos trabalhadores da Repar e a pequena ocupação das barracas temáticas pela manhã testemunharam essa falta.
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Já o espírito solidário e generoso da classe trabalhadora se fez presente, é verdade. Na festa da CUT, militantes do PSTU desfilaram suas bandeiras sob os olhares perdidos de vinte seguranças bonachões de terno-e-gravata. Mais discretos, os companheiros do PSOL também circulavam sem serem incomodados. Isso não é pouco: militantes cutistas já foram impedidos de distribuir panfletos no 1º de Maio da CUT em São Paulo! Aqui, as barracas procuravam dar conta, democraticamente, da diversidade de orientações presentes no movimento dos trabalhadores. Havia espaço tanto para as cooperativas da Economia Solidária (veneradas desde o socialismo utópico pré-marx) quanto para o Movimento Passe-Livre, com suas lideranças e política anarquista (nesse meio, é comum a campanha pelo voto nulo, e não pelo voto Dilma). Mas é verdade que a generosidade que sobrou para os outros, faltou para quem até a pouco tempo estava do mesmo lado: a combativa direção do SindSaúde merecia um tratamento mais civilizado por parte de alguns organizadores do evento.
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Mas essas dualidades ganham uma estranha coerência quando postas à luz de uma opção temerosa. No panfleto do 1º de Maio estavam estampados os apoios do Governo do Paraná, da Prefeitura de Araucária e da Itaipu Binacional. A CUT construiu sua história sob o signo da Independência de Classe. Ceder às tentações do reformismo e da política de conciliação de classes é abrir os portões para a barbárie capitalista. É evidente que quem paga a banda acaba por escolher a música... e a coreografia. Como o 1º de Maio pode ser um espaço de conscientização para a luta contra os patrões, se esse púlpito foi erguido sob as bases da conciliação de classe? Como explicar para os servidores públicos que eles devem se organizar para enfrentar o seu patrão se, no mesmo ato, a CUT deve agradecer a benevolência do Governo do Estado? Naquele dia, a presença das dançarinas no palco foi o símbolo de um problema de fundo. Menos agradáveis de se ver, políticos oportunistas, sem vínculos com os movimentos sociais, disputavam o microfone, tão “consagrados” quanto os verdadeiros representantes da classe trabalhadora, porque tinham no bolso as credenciais de “financiadores” do evento. Enquanto essas “autoridades” discursavam, supermercados e lojas no centro de Auraucária abriam suas portas para explorar religiosamente seus trabalhadores, em pleno feriado nacional.
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Não só aqui, o 1º de Maio da CUT mostrou o quanto a classe trabalhadora precisa de bons lutadores sociais, comprometidos com o evangelho da independência de classe. Na Seara do Capital, a miséria e a fortuna da classe trabalhadora se encontram misturadas. É preciso quem as separe. E que no ano que vem, possamos construir uma festa da CUT, organizada e financiada pelos trabalhadores e para os trabalhadores, com participação da base dos sindicatos, comprometida com as bandeiras da Central - mas fraterna e tolerante com outras correntes e movimentos classistas e populares. Ainda que com um orçamento mais modesto.